Olhado de fora, o bairro parece ignorar-te.
Como se fosses um drone, despojado de intensidade
emocional e incapaz de interpretar uma imagem ou descodificar qualquer elemento
dissonante que comprometa a sua intimidade.
Incapaz, pois, de produzir provas circunstanciais.
Olhado através da linha limítrofe, Alcântara parece uma
cidade cercada, vigiada por um observador internacional, através dos postos de
observação fronteiriços.
Ou Alcântara vista da Marginal
Do lado de dentro, as traseiras dos vestígios do
bairro industrial, os sinais de reconstrução da nova centralidade cultural, e a
vida das pessoas escondidas atrás das grossas portadas de madeira ou dos
lençóis de cama de casal, pendurados nas varandas de ferro forjado e estreitas
reentrâncias.
Cá fora apenas o movimento frenético e impessoal de
automobilistas sem expressão que obedecem à lógica luminosa do trânsito, com
apenas dois sentidos.
E um bando de mulheres alcoolizadas que se intrometem
entre o trânsito das vias externas, as linhas de comboio sem uso prático, os
manifestos de arte de rua e a indiferença dos transeuntes escondidos por detrás
dos volantes e das portas de fecho automático.
E alguns pares de turistas que insistem em
ultrapassar os limites dos guias turísticos de bolso.
E um velho, de passos perdidos, a queimar tempo,
longe dos olhares intrometidos dos vizinhos.
E uma jovem de olhos inquietos que espreita,
apressada, o momento em que pode regressar ao seu espaço de conforto, para lá
do trânsito, das pinturas murais, da linha abandonada, do parque de
estacionamento e da nova frente urbana do bairro, tão moderna quanto desprovida
de alma.
Cá fora procuramos, como no deserto, as minúsculas partículas
dos subterrâneos seres vivos que emergem quando se pressente a noite fria e
arrefecem as areias escaldantes.
Um polícia fardado olha-me com desconfiança.
Entro no bairro sem hesitações, mas fecho os olhos
por precaução
A vida do bairro pode ser uma experiência muito
intensa
Sem comentários:
Enviar um comentário