Gran Via é a nova milha dourada
para os guias turísticos da capital do (antes) Império, mas é também o que
resta da velha Espanha (dos seres) de fato escuro e bigode grisalho, dos
engraxadores que acompanham o ondular da grande rua que sobe da praça de Espanha
até ao Callao, plana nas alturas até a saída do metro, junto ao velhinho hotel
que virou Trypp, na esquina da Calle de la Montera, para voltar a descer em
graciosa curva pela direita fora, até desaguar no rio maior chamado Alcalá.
Apesar das novas montras de
design e das aspirações pós modernas e da moda de apelo mediático que substituíram
cafés e livrarias, das salas de espetáculo que paulatinamente convertem as
sessões de cinema em musicais de reminiscências anglo saxónicas (O rei é Leão),
as calçadas e as fachadas clássicas da grande rua ainda transpiram a Espanha
dos Ducados e dos fatos cinzentos, dos sabores clandestinos de um refrigerante
invulgar, uma espécie de primavera de Madrid na década de setenta do século
passado, das touradas e do flamenco, das boinas bizarras da guardia civil, dos
caramelos e dos boiões de perfume de litro, das roupas cinzentas e dos óculos
de sol à Alain Delon e a grande sensação chamada de Tiburón, uma grande estreia
de Spielberg em versão dobrada.
Não há nada de particularmente
errado nesta visão da Espanha da segunda metade do século passado, convertida a
si mesmo e ao grande espaço continental, como que a lamber as feridas de um
início de século alucinante e fraturante.
Mesmo que as reminiscências deste
lugar nesse tempo só sejam percetíveis para quem cá tenha estado!
A única nota aparentemente
disfuncional nesta grandiosidade quase decadente são as prostitutas que parqueiam,
à uma da tarde, na esquina da rua pedonal entre esplanadas e lojas de moda, vigiadas
por velhos com penetrante olhar de chulo (os novos velhos de fato escuro e
bigodes grisalhos) perante a indiferença geral e o despeito das próprias.
Eu quase que garantia que estas
almas depenadas, que ficaram presas na escala do tempo, como fantasmas pululando
entre os vivos, encurralados entre o passado e o futuro, são a única prova de
que provavelmente a milha dourada já foi, em tempos idos, o coração (e todos os
outros órgãos vitais) da grande Espanha nacionalista, uma monarquia de Rei
exilado!
Obviamente apenas evidente para
quem viu o Tiburón que se exprimia em castelhano!
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