Por de entre as gargalhadas que
ecoam na calçada velha, para lá do Carmo, multidões de jovens (vultos que riem
alto, como jovens e tudo o resto, simplificações mentais) provocam o silêncio
do convento ou do quartel, com as garrafas de cervejas eretas em punhos
cerrados.
Entre (cai) o Carmo e Trindade, a
exuberância do Chiado e a solidão dos becos que o rodeiam e dos ministérios na
praça do comércio, submerge um microcosmos de seres que se alimentam da noite:
mendigos encovados mas eloquentes na estação do Rossio, traficantes de haxixe
nos cruzamentos da Augusta, hordas de turistas jovens que se “flasham” sem
descanso, num intenso fulgor que cansa a estátua cavalo do D.José.
E também sombras que não habitam
a noite, que a usam apenas como um intervalo entre a luz do dia e o conforto de
um lar maior.
(Passos rápidos e intermitentes
que voam sobre a calçada em direção ao rio)
A noite também escurece as personagens que a povoam!
Não são apenas os filhos de um
Deus menor, os sem-abrigo por vocação ou pudor, que flutuam solitários entre as
esquivas esquinas de um frio que resiste à luz branca que nos afronta das
fontes do Rossio e nas fachadas da Praça do Comércio.
(Quantas pessoas pareciam esperar
que ninguém os viesse buscar, debaixo do candeeiro de rua, à frente de um ecrã
iluminado de telemóvel?)
E ninguém, equilibrando-se no
lancil de passeio polido pela humidade e pelos reflexos da água, parece ter
qualquer significado cósmico na noite inclinada da cidade.
Mas a noite não tem contraste, só
sombras e reflexos e, à distância de uma objetiva vulgar, imaginamos gatos
pardos, em todas as silhuetas que rolam pela rua abaixo e viela acima sem
destino preciso.
A capital é um zoológico de seres,
quando o manto escuro envolve a cidade, como uma selva que não identifica nem os
predadores nem as vitimas, apenas os cheira e os pressente.
Frio, vozes de múltiplas línguas,
sombras e reflexos de cores bipolares (bendita a predominância arrogante e
ofensiva dos ofegantes e sincronizados semáforos urbanos) no asfalto e na
calçada portuguesa
Sábado à noite, downtown LX!
Shadows in the night!
Sem comentários:
Enviar um comentário