Uma manhã de brumas sobrevoa o
Inverno tardio na língua de terra emparedada entre a ria e o mar, o território
dos guardiões da natureza furiosa.
Para lá da barra, o mar ameaça
desabar numa onda de espuma, cor de névoa diluída num horizonte que não tem
contraste, como se os vultos planassem sobre uma fiel réplica do Adamastor,
mistura de céu, tempestade, água revolta e imagens mentais de assustadores reflexos
condicionados (quiçá lendas muito reais)
(Os monstros do mar não têm, nem
exóticos comportamentos nem latitude muito precisa)
Breve Jesus voltará é uma promessa
que, artesanalmente pintada como um desesperado pedido de ajuda ao Além, (um
espanta espíritos?) soa a consolação menor para quem se atreve a dobrar a
barra.
Um singelo barco de pesca artesanal
regressa do tormento feito mar e parece ter dificuldade em se equilibrar neste
lago interior, de tão plano, de tão protegido pelos diques de betão, pelos
pilotos da barra e pela alegoria religiosa feita grafiti de fé.
Ninguém mais regressa nem se atreve a
partir para o mar e concluímos, pois, que o desespero e a coragem têm
provavelmente dia marcado, e não é hoje!
Os outros pescadores (os de cana
pendurada e de pés bem firmes nas rochas) esperam pacientemente que o peixe
assustado fuja da tempestade e se aproxime ordenada e obedientemente das
margens do mar interior…
Pela quantidade de espécimenes
(pescadores, evidentemente) a fé é grande ou a coragem é menor.
Na língua de terra emparedada entre o
mar e a ria, que por aqui se chama de Costa Nova, o Homem parece ter feito de
tudo para perpetuar a sua presença, ignorando o seu estatuto de terra de
fronteira.
Cimento (o mar é uma fúria contida
pelo betão!)
A vida urbana e sonolenta de uma congestionada,
mas silenciosa, periferia residencial à beira do mar (não se comporta – mas será
que devia? - como uma besta acossada pelas investidas do mar contra a muralha
exterior)
Ria adentro, há estaleiros e
indústrias, depósitos e ancoradouros
Sobra a inexistente vida selvagem que,
hipoteticamente, se refugiou a Norte!
Nas costas do mar há outra vida e
sensações diferentes; um Sol que rompe, tímido mas honrado, a neblina costeira
do ar, o verde da relva que se espalha pelos passeios à beira ria e o horizonte
que passa a ter contornos definidos de terra firme, paisagem humana e cores
vivas, tal quintal do mar e esplanada da ria.
Longe do Verão e das multidões do
interior, esfaimadas de fresco e mar, a intensa e desordenada ocupação humana
da ria, não chega a ferir as sensíveis mentes dos artistas contempladores,
sobretudo por o Sol é tímido e a névoa funciona como um filtro das cores
berrantes deste estaleiro humano e industrial.
Está-se bem, entre o verde e o cinzento
indecisos, as cores da costa norte, na fachada e nas traseiras da Costa Nova
porque, por aqui, as gaivotas estão sempre em terra e ninguém se lembra de
perguntar se há tempestade no mar!