… Ou o que faz um Homem para
tentar poupar os remanescentes cem euros!
Ah! Ainda bem que medimos as
malas porque na porta de embarque estão uns apetrechos medidores de malas, para
garantir que a lei se cumpre.
Mas os apetrechos vivem numa
solidão profunda, apesar dos esforços do segurança em regime de trabalho
temporário insistir em pontapeá-los distraidamente – um temporário não pode ser
ostensivo nem autoritário – para os meio dos pés dos transeuntes que, aos
saltinhos e olhando distraidamente para os tetos de zinco do terminal dois,
congeminavam conversas que os mantivessem ocupados e pretensamente distraídos.
E ninguém tenta lá enfiar as
malas e centenas de jovens e mais velhos contornam o apetrecho com caixotes que
parecem montanhas.
Atravessámos a pista a pé (já se
passeia a pé no aeroporto de Lisboa) ultrapassámos umas velhas tão corcundas
quanto as malas que as puxavam e saltámos para a traseira do laranja sem pudor,
porque aqui os lugares são marcado mas as malas não.
Ops. Chegámos mesmo a tempo de
enfiar as nossas modelos viajantes no último cantinho disponível
Devíamos ter percebido que mais
importante do que medir as malas é correr lesto e chegar primeiro.
Mas não percebemos!
Depois vem a inglesinha
rechonchuda – como todas as insulares aliás – enfiada numa farda demasiado
apertada e colorida, e as faces da pequena começam a corar, de embaraço, de
desconforto, ira, tudo isto numa sequência de tom que quase destruía a
reputação da fleuma britânica.
As miúdas stressam mesmo nesta
fase de arrumações, de tal forma que já não me lembro se o salva vidas que
exibiram ao alto, tão em simultâneo com a discussão em tons de ameaça e
absoluta necessidade de não perder o lugar no corredor aéreo, era para nós ou
para ela!
E partimos nos laranjas. Os
laranjas são bons. Furam as nuvens sempre numa linha direita que empena de
solavancos, em estado de hipnose diante dos apelos de consumo que exalam do
banco da frente, perto, muito perto do nariz, porque em baixo as pernas
encolhem-se e em cima a vista desfoca-se, de tão próximo, do apelo laranja ao
consumo.
Uma sandes de aspeto que sabemos
de antemão que não é real, até porque a cerveja, por detrás de um impossível
copo de vidro – estamos no avião, certo? – jorrava partículas de gelo e uma
espuma, tão perfeita que só podia ser mesmo, fotografia.
Os laranjas são bons: onze libras
de perfeita ilusão.
Sabemos que o sabor da sandes ia
ser deslavada, que o copo vai ser de plástico e a cerveja vai estar quente!
O melhor era mesmo um sumo de
tomate. São só onze horas da manhã, o sumo de tomate disfarça melhor os
equívocos de temperatura.
Nós temos a certeza que é
mentira!
Mas aquele solavanco permanente e
sincopado, o cartaz laranja a saltitar à frente dos meus olhos e a caravana
laranja que se aproximava e as libras a tilintar destruiu a minha resistência à
hipnose aeroespacial.
E no meio daquele ar imenso que é
o céu azul em cima, os nimbos em baixo e a carcaça laranja a latejar,
sucumbimos à ilusão.
A cerveja estava quente, a sandes
tinha um sabor a molho inglês, o copo era de plástico, mas nós sorrimos com o
desconto de uma libra por sermos dois!
E ainda não tínhamos abandonado a
jangada de pedra e a poupança tornava-se perigosamente vã: estávamos a uns
míseros oitenta e cinco euros de uma viagem normal.
Mas os laranjas confiavam no
marketing e as rechonchudas já estavam mais felizes, pelo que, sobre o golfo da
biscaia deixámos de as ver, a elas inglesas, rechonchudas e laranjas e às
tentações de perdermos a nossa honra e de nos perdoarmos pela nossa teimosia.
Verde, vacas, hangares e pistas
vazias foi o que vislumbrámos no regresso a terra, o que, sem GPS poderia
significar a França do Norte, a Escócia do Sul, ou qualquer outro prado da
Europa chuvosa.
Mas aterrámos na ilha, na verdade
um pedaço inóspito de terra firme, em que o hangar principal aparentava origens
mais nobres que o terminal de passageiros, uma térreo e plebeia barraca de
zinco, tão cinzenta que se confundia com o céu, tão térreo quanto o porão das
bagagens, talvez por isso mesmo Luton fosse tão térreo, talvez assim os
passageiros não se atrevessem a trazer bagagem.
Uma hora e meia depois, vinte
euros mais tarde, um autocarro com volante à direita uma revisor italiano,
cinco minutos de viagem e mais uma gare no meio de nada, saídas da plataforma
para os prados verdes, quinze minutos de espera e um comboio pontual, mais quarenta
e cinco minutos de verde até imergirmos nos túneis da urbe, inconfundíveis
vestígios da fuligem industrial, agora preservada como memória coletiva, e
tivemos finalmente a certeza que tínhamos aterrado do lado certo do canal.
Às duas e meia sentíamos finalmente
a babilónia do mundo a pulsar, entre a modernidade ostensiva do Shard e o
classicismo enternecedor da Torre de Londres
A sessenta e cinco euros de
distância de um viajante conformado.
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