Não é conveniente, é caro, tão imprevisível
como o tempo de Verão, nestes dias e nestes anos.
Duas horas e meia de Melides a
Setúbal, um alto preço que a inovação via verde não permite conhecer, uma hora
e tal de espera a imaginar a capacidade do barco e a contar os carros que estão
à frente na fila.
Razões mais do que suficientes
para escolher não atravessar o rio, nem mesmo quando não temos pressa, quando
não corremos atrás da praia
Mas o último ferrie do Sul é um
clássico, faz parte do programa de festas, como a descoberta, ao longo de um
enorme estradão que se agiganta à nossa frente em nuvens de pó, da praia da
Aberta Nova, para os lados de Melides, a salada de polvo na tasca de praia com
uns pedações mal cortados de um pão alentejano que se ensopa no molho do
tomate, o chapéu-de-sol que o dono do bar nos emprestou, radiante, mas desolado
de já não ter mais toldos para alugar.
A passagem pela prisão de
Pinheiro da Cruz, o trepidar das estradas que continuam a não esconder
completamente as raízes dos pinheiros, dezenas de anos de obras mais tarde.
A chegada à curva da Comporta por
entre arrozais verdes e berrantes, a curva de entrada na Península, a
descoberta dos areais à nossa esquerda, e aquela estrada que todos nós sabemos
que tem fim, doze quilómetros mais à frente, e que serpenteia que nem um ébrio,
encostando-se à berma do rio, uma imprudência que denúncia o ADN industrial do
estuário, encaminhando-se velozmente para o mar, sabendo nós sempre, que ela
irá encalhar sem fugas nas dunas de areia, derrapar e estender-se ao comprido
reta abaixo na direção de Troia.
Na direção de Troia, não fosse a
rotunda do ferrie, o último clássico do dia.
Por isso, mal se estacionam as
viaturas no barco que não tem fundo, nem proa nem ré, todos amigavelmente encostados,
porque o espaço é precioso, já o povo afogueado desata a correr escadas acima,
corredores de corrente de ar – afinal, o barco não tem fundo – um terraço feliz
que rodeia o comandante e a sala de controlo, também ela bidirecional, e a
malta tira fotografias, respira fundo, salta de janela em janela, banco de
madeira em banco de madeira, sobe e desce escadas, tantas vezes quanto andamento
do barco permitir.
Enfim, também eles acham que o
último ferrie do Sul é o verdadeiro final de festa de um dia de praia
Bom, nem todos. Alguns - poucos é
certo -trancam-se nas viaturas indefesas, enchem-se de ares de tédio e fazem
figas para que a ponte se abra do outro lado.
Mas esses são poucos, muito
poucos e são assim porque não têm História, ou são do Norte.
Tudo mudou, mas nada
verdadeiramente mudou neste ícone do Sul.
Tem via verde, a viagem dura mais
uns minutos – o que só aumenta a intensidade da experiência – mas sem o regresso
no ferrie, nunca teríamos estado em Troia, nunca regressaríamos a casa pela
única porta que faz sentido, Setúbal do cheiro a assados e do festim de peixe,
espalhado pela Avenida Luísa Todi.
É verdade que há outros clássicos
mais clássicos que este.
Mas, puxando pela cabeça, não me
consigo recordar de nenhum, que não esteja morto ou moribundo
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