Falar de Bucareste sem falar de Ceausescu é impossível
Eu queria, mas não consigo
Ele tentou destruir tudo o que não se parecesse com a imagem que ele tinha dele próprio, e quase conseguiu.
Bom, os camaradas, dezoito anos antes, já tinham liquidado uma aproximação de país moderno, seja-lhe feita a justiça.
Mas a resiliência humana (e romena) é notável e a cidade velha, cercada de blocos cinzentos de não arquitetura brutalista e aniquilada de forma sistemática (como o bairro onde está o parlamento) ficou moribunda, mas manteve um fio de vida que a permitiu renascer
E o extraordinário (quem se lembra da destruição criativa de schumpeter?) é que, no final do processo de restauração em curso vamos, com elevado grau de certeza, descobrir uma das mais originais cidades da Europa, obviamente dentro do conceito de cidade rafeira, sem estilo nem dono preciso, mas provavelmente mais resiliente às doenças da civilização e deveras disruptiva.
Nada que estivesse nos planos de Ceausescu.
Cidade da cruz, é o nome de um mosteiro e de uma capela, o que sobrou da demolição dos tempos, os frescos resistem, heroicos, mas sem face, porque os restauradores não sabiam como ressuscitar as feições dos santos.
Cercada da fúria de betão dos camaradas, a freira resiste no local e o pátio interior do mosteiro recolhe as lápides de pedra recuperadas de outras igrejas destruídas, um depósito de memórias que ocupa, no claustro, demasiado do espaço antes reservado à meditação.
A carroça da cerveja é a cervejaria mais antiga da cidade (e quase nada é mesmo antigo em Bucareste) que se alimenta de personalidades e arte nova.
O carrossel da luz é a livraria que antes já foi um banco, uma loja de roupa, já esteve abandonada e recuperou, das cinzas, em branco e ferro forjado.
O quilómetro 0, uma tradição romana que o reinado de Carol, uma independência conquistada na ambição da grande Roménia, recuperou para assinalar a distância para as principais cidades do país.
Um país que se desfez em cacos nas décadas seguintes e tornou incómoda e caduca o círculo de cidades desenhado em redor do zodíaco
Uma igreja que se esconde por detrás de uma pizzeria com nome internacional.
Tudo histórias para contar.
A cidade das histórias que se contam sempre por detrás de uma qualquer tentativa para as silenciar, normalmente betão, ideologia ou simplesmente o quotidiano do presente das pessoas.
Mas os rituais são vividos nas igrejas sem arrependimento por um povo que procura os padres que não se escondem no momento da confissão e que rezam em voz alta pela alma dos antepassados.
Só o povo parece zangado, não é fácil conquistar um sorriso à nação romena, especialmente se não cumprirmos os mandamentos do novo pacto da nação com o capital, e recusamos pagar os dez (mínimos) por cento de serviço nos restaurantes da capital.