O Museu Moderno de San Telmo é uma viagem até “ao limite” um teste à existência de vida no bairro, para além da feira.
E, na modernidade minimalista do museu, que espreita, pelas grades das suas janelas, para a realidade mundana de uma manhã de feira no bairro, o interior refugia-se nas profundidades da mente, na expressão artística das vulnerabilidades do mundo exterior.
Também na modernidade artística dos museus da cidade vive um predomínio dos criadores argentinos do século vinte e um que, tal como nos conturbados anos do século vinte latino americano, os artistas plásticos procuram, na tela e na pedra, contrariar a herança para além do passado, da nostalgia e de alguma sobranceria intelectual das elites letradas do século passado.
Para o século vinte e um dos artistas plásticos, o realismo desprendeu-se do mágico para se instalar em alternância no hiperbólico, no surrealista e na crueza teatral e performativa das suas vivências traumáticas.
Onde pululam os nossos abismos? – questiona-se o artista
Ao longo da Calle Defensa, não se questiona a sustentabilidade dos recursos naturais entre bancas de rua, souvenirs, artesanato e roupa vintage, negoceia-se os preços com um fervor que compete com ritmo de desvalorização da moeda, porque na Argentina atual, tempo representa literalmente dinheiro.
Nem para todos.
A Mafalda, sentada no seu banco de jardim, tão sorridente e estranhamente quieta, não reclama com os avanços da populaça, que se pendura nela, para a fotografia ou para a posteridade e, se ela fosse um boneco animado não deixaria de ter opinião sobre este tempo.
Para o Che Guevara, restaurado e de cores garridas, agora na versão superstar na parede da Calle Lorenzo, emparedado atrás de um camião de mudanças, o empedrado da rua é apenas uma ténue recordação dos dias de solidão, que lhe gastava as cores mas que lhe mantinha a áurea de combatente, o único mural do planeta em que a reputação de Che coabitava em perfeita harmonia com um casal dançando Tango no empedrado decadente da cidade.
“Um duende não é um adorno, é como um amigo, portanto tens de dar um nome, falar com ele e dar-lhe de comer. É o teu primeiro?”
Sem ter a certeza de ter ultrapassado uma barreira linguística qualquer, vimo-nos rodeados de seres sem linguagem que trepavam os fios ao ritmo de uma concertina e uma mãe sorridente que emitia cartões de identidade com toda a seriedade.
Afinal, e apesar da sua aparente superficialidade mundana, o bairro ainda mantém vestígios de misticismo, poesia e concertina
E na Plaza de Mayo, nos confortes do bairro, um casal desafia o preconceito. Assim se reconstrói o Tango como um instrumento de inclusão.