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domingo, 27 de novembro de 2016

A linha de fora


Alerta amarelo, um mar revolto, um céu pesado.
E eu fazia riscos de água nas vidraças obstruídas por um inverno que chegou do mar.
( e enviava mensagens como qualquer juvenil)
Tão súbito que nos deixou de vistas embaciadas
O comboio movia-se na direção da tempestade, sem a convicção dos corredores de fundo que o enfrentam na linha de fora.
O comboio, esse animal gasto pelo tempo e pela orfandade, deixava-se conduzir pela manhã dos sonos profundos, pelo amanhecer tardio do dia das não pressas.
Domingo
E a chegar a Algés já não fazia riscos de água porque tinha as mãos frias e o nevoeiro tornava inútil a compreensão da paisagem.
O nevoeiro da linha de fora.
A linha confunde-se com a marginal, mas não é a mesma coisa.
Partilha com o mar a falta de um desígnio, mas esconde-se dele a espaços porque não lhe perdoa a imensidão, a liberdade e a ausência de uma direção precisa.
A linha vive de ordem, não lhe é permitida saltar dos carris.
E de ausências
A pobre linha que, em tempos, partia para frança e voltava e que, há menos tempo, se orgulhava da sua ordem, um minuto era um minuto, parece viver de ansiolíticos e de indiferença (diria mesmo, afronta) perante os cronómetros de números mecânicos que a confrontam em todas as estações com a sua súbita falta de rigor e orgulho.
Os tempos são duros para (uma certa fama de) a aristocracia decadente.
Indiferente aos símbolos do passado e invejosa das novas criações que a bordejam.
Porque se o mar é errático, também é grande e intemporal.
Porque se os novos símbolos do presente que a cercam invocam mesmo uma certa austeridade na forma e nos propósitos, são funcionais, arrojados e têm bons propósitos
Entre os símbolos do passado, alguns resistem, outros perpetuam-se e os últimos desfazem-se nas curvas do mar.
Só a linha envelhece mal, estava cada vez mais errática, menos funcional e resiliente.



De tanto andar de um lado para o outro sobre os carris de um sentido único, infiltrou as poeiras do que nasce, do que se perpetua e do que morre à sua volta.
A marginal e a linha não são a mesma coisa, mas delimitam o nosso território.
Fazem parte do nosso imaginário
O ruído metálico arrastado pelos ventos sul, que antecipam chuva.
O cheiro a madeira queimada, que pronunciam verões abafados.
É nossa.
A linha de fora e a linha de dentro.
E (mesmo que seja uma mentira conveniente) não me incomoda que nos tratem como aristocratas decadentes.
Quando – lá para o Verão – chegarmos à baia, vamos ter uma bela história para contar.
Esta á a primeira manhã do nosso novo projeto
Já lhe arranjei nome G. “os símbolos da linha de fora”.
Mas hoje não foi um grande dia. A linha de fora estava agreste
Vento e chuva.

Não passámos de Alcântara


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Os filhos de uma Lua Cheia




Lucy in the Sky with diamants


 Frozen zone


Waiting for the big wave


 I´m a beatle walking to the moon


Low tide


Turning back sunset shadows


 Frozen zone nr.2


Sons of the Moon

sábado, 12 de novembro de 2016

A rapariga da casa esperança


Esperança é um imenso prédio assombrado por uma serpente de ruas que não a deixa descobrir-se.
Uma entrada larga, um corredor despojado e uma luz fria e ventosa que se atravessa no caminho, como uma espada mágica de um ser extraterrestre de olhos grandes e expressão simpática, despejando na diagonal o pó das claraboias do pátio central.
Esperança é o nome próprio da casa Esperança e a primeira imagem é de um cenário ficcional pós apocalipse, um espaço encardido, a quem faltam peças mas que mantém alguns sinais de dignidade com tempo de verbo passado.


As janelas não batiam com o vento porque, num amanhã do dia seguinte não é esperado vento, apenas poeiras e calor.
A vida da Esperança está nas histórias que ela conta.
O apelo que os espaços em bruto exercem sobre os contadores de histórias, artistas e curadores é irresistível e dispõe-se a múltiplas interpretações; minimalismo que afasta as distrações sobre o não essencial, que realça os projetos ou antes uma forma de dramatização prévia para condicionar as mensagens e nos transportar para uma pós realidade?
E poderá a Esperança viver de despojos, ou a Esperança transforma-os num novo começo?
Definitivamente que os tempos de hoje são ambíguos porque todos os factos têm necessariamente, e pelo menos, duas explicações tão coerentes em si quanto opostas entre elas.


E enquanto olhamos para a Esperança, a casa Esperança, de diversas perspetivas não fazemos ideia, sequer, se a História se repete ou continua (evolui, diverge ou outra trajetória não circular)
São as histórias da casa Esperança que a habitam e a transformam num lugar de beleza estética e de coerência narrativa.
E a rapariga da casa, de uma alegria contagiosa, de uma curiosidade sem pudor e de uma vontade de responder a tudo o que nem sequer te lembraste de perguntar.
Levitava entre os cantos do pátio interior, divagava com sentimento entre as estantes repletas de livros, histórias, autores e portefólios e lembrava-nos que, nesta coisa da cultura, o GPS é um instrumento inútil e fora de época.
Afinal de contas há esperança entre os despojos de guerra, serpentes que nos enrolam, e mais de uma dezena de histórias invulgares.
Começo a convencer-me que os lugares despojados não pretendem condicionar o nosso futuro, mas antes tornar mais lúcidas, as mensagens essenciais do nosso presente.
A rapariga da Esperança sorri e acena com a cabeça em sinal de aprovação e responde-me que vale sempre a pena voltar, mesmo hoje, que é o último dia.
Dos encontros da imagem, em Braga.