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sábado, 19 de outubro de 2013

Oeste Menor II – Lourinhanosauros


Meio-dia e meia hora e o restaurante começa a encher-se de professores e alunos da escola vizinha, vendedores e empregados de escritório, e todos parecem conhecer-se, entre a sopa de grão com massa e o arroz de peixe que, por aqui, se serve ao prato “ porque me custa ver o desperdício” de quatro euros e meio.
Afinal de contas esta vila do Oeste profundo – sim, também há profundidade no litoral às portas de Lisboa – vive numa paz rural e poupada, entre a autoestrada e o mar, num descuidado visual, próprio de quem não tem tempo para os assuntos urbanos, nem património monumental para atrair multidões.
A Lourinhã é uma não zona, encravada entre os mosteiros e os castelos do norte e a grandeza absorvente da capital do império, onde mesmo as praias de areia branca e reputação aristocrática sofrem de uma súbita interrupção no mar encapelado mas feio e feroz do Porto da Barcas, local esburacado e entrincheirado pelo mar e pelo casario desordenado e nada reluzente.
O oeste por onde todos passam, sem parar.
Vimeiro a Sul, Praia da Areia Branca a Norte, mas não ali.
Excepto os dinossauros, milhões de anos atrás, segundo consta por vontade própria e os franceses napoleónicos que se terão enredado nas tortuosas geografias destes locais, esses por vontade dos ingleses (bom, e de alguns de nós também), também eles entrincheirados entre as Linhas de Torres e o regresso não desejado às origens.
(Aqui há alguma liberdade literária, porque não há referências aos franceses por aqui, e era no Sobral e em Torres – um pouco mais abaixo desta não zona – que se desencadearam as maiores e mais decisivas batalhas)
Consta contudo no assobio do vento que vem do mar em sopros largos e curvilíneos torneando os montes e penetrando no vale, que ainda deambulam almas penadas de uniforme napoleónico, nas perigosas e instáveis arribas da Lourinhã.
Pronto, e sem entender muito de escavações e bichos pré-históricos vejo-me na contingência de por aqui rondar sem destino nem companhia (não há gente na vila à hora do almoço, versão sesta ocidental e marítima, ou apenas a malta vai almoçar a casa?), esperando pacientemente (eu e os velhos do largo da igreja que me olham desconfiados, mas nada curiosos) a abertura do museu, que fechou para almoço das quatro entusiasmadas e orgulhosas colaboradoras e só abre as velhas portas depois das duas e meia.
Orgulhosas e de um brio profissional de quem sabe que nunca mais este local foi tão profícuo e famoso quanto há 100 milhões de anos!


E têm razão. Apesar de só e pouco impressionado com o espólio etnológico e com a sala das profissões, de dinossauros percebem eles.
E, apesar de só no pavilhão da paleontologia, rodeado de bichos enormes (e, ainda por cima carnívoros), não senti muito medo, porque de facto só restavam ossos e todos os placards me garantiam que já tinham morrido há uns largos milhões de anos.
E estes não são tão espectaculares quanto as réplicas de materiais sintéticos doutros lugares, mas são genuínos, ossos, ovos e a reconstrução do grande carnívoro que atravessa a sala e cujo nome se me eclipsou!
E as descobertas de ossos continuam!


Museu da Lourinhã descobre novo fóssil de dinossauro carnívoro e termina Agosto com uma mão cheia de novos achados de dinossauros.
Terminou na semana passada mais uma campanha de verão do GEAL – Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã – que tradicionalmente concentra as suas escavações nesta altura do ano, nos afloramentos do Jurássico Superior da Lourinhã, com cerca de 150 milhões de anos.
Este ano, os resultados incluíram pegadas e ossos, com destaque para um dinossauro carnívoro de pequeno porte, com menos de dois metros de comprimento. Este esqueleto de dinossauro não está completo, mas está muito bem conservado e articulado (com os ossos na posição anatómica, tal como em vida), o que é muito raro. A análise preliminar indica que poderá tratar-se de um representante de um grupo de dinossauros carnívoros raros em Portugal, os celurossauros.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Oeste Menor I – Bhuda Eden



Budas, pagodes, jardins japoneses e dragões espalham – se ao longo de um vale primorosamente relvado, numa revelação Oriental do benfeitor, em terras saloias do Oeste.
Integrado numa quinta vinícola de planícies e encostas soalheiras, o parque revela-se nas suas traseiras como a última extravagância do benfeitor, ainda com as acções em alta.
Chegar à Quinta dos Loridos pela manhã cedo é uma experiência desconcertante porque falta o roteiro, uma contextualização histórica e geográfica ou uma harmonia narrativa, apesar das explicações no site oficial.

“O Buddha Éden Garden é um espaço com cerca de 35 hectares, idealizado e concebido pelo Comendador José Berardo, em resposta à destruição dos Budas Gigantes de Bamyan, que foi, um dos maiores atos de barbárie cultural, apagando da memória obras-primas, do período tardio da Arte de Gandhara.
Em 2001, profundamente chocado com a atitude do Governo Talibã, que destruiu, intencionalmente, monumentos únicos do Património da Humanidade, o Comendador Berardo deu início, a mais um, dos seus sonhos, a construção deste extenso jardim oriental. Prestando, de certo modo, homenagem aos colossais Budas esculpidos na rocha do vale de Bamyan, no centro do Afeganistão, e que durante séculos foram referências culturais e espirituais.”

E a paz reina, de facto, nesta manhã cinzenta de meio de semana, sem visitantes de monta, em torno do lago espelhado, do verde dos campos e de uma enorme quantidade de estátuas que pretendem sintetizar todas as geografias de um Oriente milenar num espaço contíguo e alcançável pela vista humana.


Desconcertante o esforço de síntese do benfeitor porque, se a legião de guerreiros (de terracota?) evadidos da sua cova, perfilados na encosta perante o lago e o pavilhão (chinês / japonês) são uma alegoria rica em cores e em interpretações livres, nos sentimos incapazes de integrar o significado dos Budas que rodeiam a paisagem, o lago, o pavilhão chinês, e os guerreiros de terracota, para além de outras interpretações de arte moderna ocidental que ocupam os espaços livres de vista privilegiada.
Desconcertante e de valor artístico (por vezes) limitado. É verdade!
Mas algumas das peças de arte contemporânea que começam e imergir entre as obras que ainda não terminaram em novas zonas do parque realçam o esplendor do parque e da relva.
Apenas não sabemos porque estão ali!
Esta Ásia de miniatura que, cada vez mais, se aproxima do Ocidente contemporâneo é provavelmente um local de união de culturas – independentemente de detalhes como a coerência expositiva ou do contexto –
Rodeados de vinhas e sobreiros, nesta experiência de elevado teor psíquico, celestial e de reflexão interior (não fossem as moscas que nos atacavam, vindas dos campos agrícolas em redor) que promete um dia vir a ser um espaço de Land Art com assinatura.

Assim os guerreiros de terracota permitam!


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A tribo do surf desceu à praia do Baleal



Os fatos pendurados nas varandas revelam que o campeonato do mundo de surf esgotou as camas com vista para o areal
Os ninjas forrados de preto passeiam as pranchas debaixo do braço, no parque de estacionamento, no alcatrão e no areal, ziguezagueando como pequenos tubarões em terra firme (sim, há tubarões pretos na costa), precipitando-se no mar moderadamente ondulado, tímido e retraído pela impetuosidade da horda e pelo entusiasmo redentor de centenas de seguidores do Deus das ondas.
Atrás das dunas, a ausência de vestiário justifica cenas de nudismo informal e descontraído, porque os fatos estão molhados e os automóveis dão uma falsa sensação de proteção perante olhares fortuitos, mas involuntários.
Entre o preto e o cor de pele há resquícios de flower power na frente ocidental, esfolados na Ford Transit de matrícula britânica que desperta dos buracos de ferrugem, portas abertas de correr, e a certeza de que conheceu os Beatles, ainda novos, e muitos anos pela estrada fora.
Mas à medida que rolamos no asfalto abrasivo em direção à ilha – que tecnicamente é uma península – torna-se evidente que esta multidão, em forma de fauna, é muito mais difícil de definir do que se imaginava.
No estacionamento pejado de caravanas século vinte, a roupa estendida é apenas mais um obstáculo para as centenas pranchas que entopem as escadas do areal, e que se impacientam perante uma legião de voyeurs, esses manequins de revista social e roupas de marcas sonantes e cheiro a maresia.
Estes seguidores sem prancha, tal como os campeões, exibem-se perante fotógrafos, televisões e multidões.
Ao meu lado, por detrás dos vidros protetores de um veículo familiar e moderno, uma morena consulta o iPAD com um jeito profissional e não sorri nos segundos que cruzaram os nossos olhares e embrenha-se num casulo de quem não está à espera de ninguém. Eu apostava que ela é namorada de surfista do século vinte e um, cabelo escorrido, fato novo e prancha a brilhar, nada o género dos dois que se atravessam à frente da grelha do meu automóvel de luxo (afinal de contas qual é o teu papel?), ressequidos e desgrenhados de tanto mar, areia e chuveiro de praia sem champô nem amaciador.
Espero um cheiro de profunda maresia tomada ao vento, mas o cheiro a frango assado é a única memória que o meu olfato guarda do momento em que abri a porta do veículo.
Animais de vocação universal, mais apreciados quando assados do que quando vivos, relembram-nos que dificilmente há peixe neste mar infestado de pranchas e tubarões pretos, apesar das esforçadas tentativas dos esporádicos pescadores de cana, que vão petrificando nas rochas salientes e desajeitadas nas baías do Baleal.
Mas no mar cheira a vento, maresia e imensidão em tarde de maré vazia, que se estende para norte até o horizonte se fechar em persianas de neblina, impossíveis de perfurar sem camaras de alto zoom.
Os pescadores de linha estarão afinal à pesca de surfistas?
A travessia para a ilha sobre uma passadeira de cimento, areal a ocidente e a oriente, é a melhor aproximação possível ao monte St. Michel nacional, com um infundado receio de que as marés nos persigam e varram o areal, os automóveis, os mirones e os surfistas.



Em dia de campeonato mundial de surf não há ondas nem marés indomáveis, mas o ambiente na falsa ilha mantém o glamour bretão de um qualquer início de século vinte, especialmente porque a estalagem, a casa das marés, é um nome tendencioso, porque desperta memórias cinéfilas, um casal de estrangeiros com os pés descalços e calças de bainhas arregaçadas debruçadas na esplanada com vista para a muralha arruinada e para as ermidas que evocam as reminiscências piscatórias locais (antes da invasão dos tubarões pretos de pés descalços).
Insistimos em transgredir pelo sentido proibido atravessado nas traseiras da ilha e o risco compensou.
Pássaros, ondas a sério e uma visão única de uma das últimas fronteiras do Império: Berlengas e o seu farol civilizacional, umas milhas a Ocidente do mar, revelam-nos que ainda somos uma potência marítima, bem para além dos limites e das amarras da mãe-terra.
Enquanto me lambuzava com o vento batido sobre as ondas, com o repentino orgulho nacionalista e atlântico e com uma vista sobre o horizonte recortado na rocha, nas verdadeiras ilhas para estômagos fortes, apercebo-me que se aproxima, saído de um quintal, de uma marquise de casa térrea e alugada, um suíço continental de brinco na orelha, chapéu de coco verde na cabeça, calções aos quadrados e prancha rosa choque.
Indiferente à paisagem e às nossas arrebatadoras vocações!

Malditos! 


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A última fronteira



No Torre Poente – o mais próximo do mar da fuga e/ou da descoberta – reside uma exposição que destila História e (quiçá) desbrava novo prelúdio da verdadeira vocação lusitana:

A última fronteira, o porto de refúgio, o fim do mundo segundo a lógica geográfica (e cartográfica) chinesa!

Aos Indignados que acreditam na nossa vocação atlântica, esta exposição lembra que o Atlântico não deixa de ser vocação quando de fuga se trata.
Aliás não terão sido as Descobertas (como todas as aventuras no desconhecido, afinal) uma fuga (para a frente, é verdade) da estreiteza de uma Nação pequena?
Importante afinal, é estarmos debruçados sobre o mar, entre o fim de um Continente e o princípio do resto do mundo Ocidental, e esta Exposição lembra-nos que as desgraças dos outros são a nossa Luz.

“Chegamos à Praça do Rossio, o centro de Lisboa. Magnífico! Só quem vem de um país numa escuridão total, onde à noite é preciso andas pelas ruas a tatear o caminho, pode apreciar o que viemos encontrar, quando às duas da madrugada sentimos jorrar sobre nós aquela iluminação mágica das luzes na praça” - Karl O. Paetel

A chegada.
A cidade
A preparação para a Guerra
Os correios
A espera
As luzes na cidade
A informação e propaganda
O paraíso dos espiões
À procura de um visto
A partida

São doze salas de uma crónica de brandos costumes, enquanto o mundo se partia em cacos, à nossa volta.
Perdoem-me a insistência, mas hoje, as nossas receitas turísticas aumentam com o despertar da loucura dos homens na bacia do Mediterrâneo.
Não fossemos um país pacífico, pobre e pequeno (a teoria dos três P da diplomacia internacional) e poderíamos, hoje, ser acusados de foco de destabilização regional
Mas afinal de contas a nossa única arma e razão de existência é a surpresa para os povos atormentados do mundo.
Tão nobre quanto desbravar novos mares desconhecidos, com uma obstinada vocação do Ocidente.

 “ A Lisboa afluía tudo o que pôde fugir dos alemães, na Europa. Toda esta gente parou aqui, onde começam as ondas do mar” – Milos Tsrnhanski

Meu caro, chega de querer reinventar a História até porque, em 1940, todos fugiam de alguém e a última imagem de Alfred Doblin da nossa cidade era celeste e imperial:

“O navio levantou âncora na escuridão da noite, Lentamente foi virado e rebocado Tejo abaixo. A exposição do Centenário resplandecia como num conto de fadas, à nossa passagem. A sua mágica luminosidade foi a última imagem que tivemos da Europa envolta em luto.”

Sangue frio e Portugal no seu melhor!
Além disso, perdoem-ma a insolência e desculpem-me o humor negro, mas hoje Lisboa não é de todo um bom sítio para quem lhes pretende fugir! (*)

Torreão Poente, Terreiro do Paço, 2013


(*) Se algum dia tiver um cargo público e algum repórter tendencioso da vida pública, usar esta frase contra o meu nome, argumentando xenofobia e falta de sentido de solidariedade europeia, argumentarei sempre que se trata de poesia e o “lhes” tem um sentido poético lato, metafórico e sem destinatário preciso.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Looking from (by) the Arch


Após quatro dias de chuva, o Sol invade a cidade
Finalmente.
Outra vez!
Não somos de todo um povo dado a nevoeiros prolongados nem dilúvios profundos.
E a moral hoje, entre as nuvens e uma manhã quente e húmida, do Sol que sopra para cima das nuvens, é incontornável.
Lisboa, que voltou a ser a cidade das cores magníficas do casario velho despejado sobre o rio, dos milhares de seres que invadem a Praça do Comércio de calções curtos e mangas cavas, numa peregrinação aos bons ares e à mentalidade cândida de uma capital com quinze graus acima do hemisfério norte.
E na subida para o arco, o bafo húmido de um dia de mudança climática interfere com a velocidade do elevador, encarquilha ainda mais a escada de caracol que nos conduz ao mecanismo, o protagonista do salão nobre da Augusta.
 (fará funcionar o sino ou o relógio, ou ambos, sempre com um minuto de avanço, uma preciosidade do relojoeiro de utilidade pública, preocupado com os transeuntes que não podem perder o barco para a outra margem)
Os poucos turistas que se aventuram escada acima, sem semáforos nem sinais de prioridade, fazem ecoar os seus passos nos tectos altos de pedra robusta, num som que serve de compasso ao sino que vai tocar, sempre de maia em meia hora.
O cão, espécie Lulu, conduz pela trela duas gaulesas, escada acima sem as largar, nunca saberemos se presas pelos incontáveis adereços argolados e presos em todas as cavidades menores, ou apenas pelo entusiasmo de levitarem em direcção ao terraço, e ao ar de Outono em tons de azul e cinzento.
(Terá o espécime de quatro patas pago ingresso?)
E lá em cima, sem grande companhia, a vista é, no mínimo, redentora, e a sensação de exclusividade compara-se à de um Imperador (porque não Augustus) que contempla um Império, um exército e um imenso povo que se espraia na praça em tons de prata.
E nem Lulu ladra nem a multidão exulta.

Olhando a cidade do topo do Arco da Rua Augusta é contemplação em estado puro!