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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cusco, Capital Imperial


Cusco é a capital inca que os espanhóis trituraram na capital das índias ocidentais.
Por mais que os movimentos incanistas prometam não prestar vassalagem à hispanidade, vão ter de esperar por um novo terramoto e que as reconstruções de 1650 e 1950 não aguentem o novo abalo de 2250.
Exercício difícil para um império que durou cerca de cem anos e que foi, antes do resto (e naturalmente que o resto é ainda muito), uma síntese das civilizações americanas anteriores.
Inca é, acima de tudo, o fascínio do desconhecido e do lendário…
E a ligação profunda à natureza que adoram e exploram e o (provável) mito urbano de que eram um povo que vivia para as coisas simples.
Para além de socialistas, também ecologistas.
O incanista José, mestiço, cantiflas e o novo avô cantigas, eriçou o seu fino bigode com a nossa discordância académica sobre os (pouco frequentes, é verdade) sacrifícios humanos de raparigas escolhidas aos deuses, nos vulcões gelados dos andes.
Bom, estamos na fronteira da imprecisão histórica – alguns povos residentes nos territórios incas, faziam-no, e a forma liberal como os incas tutelavam alguns territórios, sobretudo a sul, permite, hoje, a eles incanistas renegar a paternidade destes rituais, que mancharam a reputação dos Aztecas, reputados de bárbaros pelos descendentes dos Incas
Mais eriçado (agora de orgulho) só quando celebrou o terramoto como a desconstrução criativa do poder inca.
Cusco património da humanidade, é uma cidade peculiar, vibrante e mestiça. Mas o colonialista é conhecido e a sua predominância é clara.
Os espanhóis criaram uma cidade sobre Cusco tão imponente e grandiosa que não permitiu ninguém algum dia descobrir, por debaixo, os restos da geometria da cidade antiga.
Mais grandiosa que a original, tão imperativo era o desígnio da evangelização!
Na noite fria da explicada altura andina, o ar cortante que se respira entre ruas, praças ou travessas, é definitivamente colonial


Como o requinte e o bom gosto que não se escondem nas arcadas da praça, das três praças que redefiniram o urbanismo da cidade inca sagrada, onde cada templo, cada expectativa de palácio ou residência sacerdotal é hoje, meticulosamente calculado, uma igreja, um convento ou uma residência colonial pós Pizarro.
Olho por olho, templo por igreja!
Sagrada era e assim se pretendeu manter…
Mas os incas não são uma miragem: as dezenas de ruínas de templos e fortalezas que circundam a cidade, demonstram que eles existiram e tinham talentos inatos e uma espiritualidade intensa.
Subjugados, dedicaram-se a pintar e a esculpir uma visão andina da arte sacra europeia.
A (as três) catedral (is) de cusco pavoneia-se de um interior de uma riqueza forrada de ouro, prata, madeiras preciosas e pedra mármore como nenhuma catedral espanhola, mas sempre com um toque artístico andino…
É certamente a única catedral do mundo em que a magnífica tela da última ceia de cristo, serve porquinho-da-índia – um petisco absolutamente peruano – como repasto principal
A vontade espanhola de apagar os vestígios dos ídolos pagãos e a submissa vontade de vingança dos incas, criaram algo de muito singular, rico e esplendoroso.
Cusco, espanha por cima, incas nas entranhas!



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Finalmente os vestígios do Império - a caminho de Cusco



O templo de Wiracocha marca a nossa entrada na terra dos incas.
Wiracocha é o deus dos deuses, uma crença que apenas os barbudos mal cheirosos desprezaram.
A caminho de Cusco, a descer para o vale sagrado, embalamos nas histórias do nosso guia, um inca cusquenho convicto que não admitirá nunca que ponhamos em causa a superioridade de um povo, um estado e um deus, cuja principal razão da sua existência era alimentar o seu povo.
E conquistá-lo, diria eu!
Eles não queriam a roda, porque não lhes servia…
Eles não tinham escrita, mas tinham uma forma de comunicar, que os barbudos liquidaram.
Falou-nos e mostrou-nos as qolqas (armazéns de mantimentos pertencentes ao estado inca), os templos, os círculos perfeitos e a simetria das paredes inclinadas como as pernas dos humanos.
Mas os barbudos, tudo levaram, o ouro e as estátuas.
A primeira das vitórias da história do capitalismo selvagem sobre o socialismo humanista.
Nas ruínas gastas do deus maior, vagueiam anciões que não parecem ter outro destino que se acomodarem nas sombras de um império que não conheceram, mas de quem se sentem filhos, e relembram-nos quão perecível é a natureza humana, tal como os impérios por eles erigidos.


A imagem do casal de idosos sob a sombra de uma qualquer árvore nativa, de nome indecifrável, ele a nível superior sentado numa pedra milenar, ela subalternizada no chão poeirento de uma terra que já foi fértil, resgata-nos da nossa fascinação por uma civilização, que afinal ainda tem ruínas em pé, para uma existência de fé, pobreza e sofrimento.
Católicos, apostólicos e andinos.
Um pouco adiante, como se fosse numa ordem cronológica pré definida (mais próximo da grande capital e o poder dos colonizadores torna-se ostensivo) em Andahuaylillas, perto do nada e longe das rotas andinas, descobrimos a capela sistina dos Andes, uma verdadeira extravagância de ouro e preciosidades, frescos e pinturas, um verdadeiro teatro de experimentação dos novos (e convertidos) artistas da escola de cusco, que releva a pintura europeia do século XV, numa nova dimensão indígena.
Aqui, tal como no Colca, os santos vestem luvas e cachecóis (porque a igreja é fria), e são humanos que sentem, numa crença quase pagã em que colonizados e colonizadores se fundem em vontades distintas, mas convergentes.
Afinal de contas o dia de S.João coincide com a data do solstício de inverno – mágico para os incas e seus rituais de adoração ao deus sol – a cruz de cristo, simboliza o cruzeiro do sul, uma referência astronómica dos adoradores das estrelas e do céu.
Tudo tem uma explicação, tudo se enquadra numa civilização que, pela ausência de registos, convive bem com a lenda e com as interpretações arrojadas da sua história.
Hoje, católicos, apostólicos e andinos!


Chegámos a Cusco ao fim da tarde mas vínhamos do vale e falhámos a entrada triunfal, qual Pizarro, sem vista aérea sobre os tesouros do Império.
Antes, submergimos numa qualquer periferia anárquica e precária que nos desagua diretamente no centro histórico.
É sempre triste uma frustração à chegada, para quem já se imaginava cronista do reino.
No restaurante Marcelo Batata, jantamos o profundo Perú e, levantando a cabeça deparamos com uma frase inscrita nas paredes deste espaço incomum:
“O nosso medo mais profundo é que tenhamos um poder desmedido” – Nelson Mandela
Quem diria, em Cusco!
Depois de vários copos de vinho peruano, acho que faz todo o sentido.

domingo, 28 de outubro de 2012

Titicaca – Existem oceanos bem acima do nível do mar!


O lago Titicaca é a origem de todos os povos andinos – dizem-nos!
Um enorme depósito de água doce (eu era capaz de jurar que tal extensão teria algo de salgado) a 3,800 metros de altitude, rodeado de picos gelados, desertos secos e tórridos, é motivo que explica (per si) o seu papel civilizacional.
Hoje sobram comunidades que vêm o lago como se fosse o oceano pacífico, tamanha a sua distância do mundo costeiro e cosmopolita. Comunidades que se banqueteiam de turistas que procuram os últimos mundos perdidos…
Mas, para além do folclore dispendioso, os Uros vivem mesmo em casas flutuantes e, mesmo que o artesanato não seja deles, viver dentro de um lago é … estranho!



E nas margens e nas ilhas do lago, é a terra que os alimenta – e não nós.
Mas quem manda no lago, nas margens e nos montes bolivianos, lá longe a oriente, são os Aimaras: dois milhões à volta do lago, quatro milhões no altiplano.
Derrotados pelos incas, hoje falam num país novo e até já têm um presidente, o boliviano (de acaso) Morales.
Hoje de manhã, quando saímos no bote de 13 nós, lago adentro – jumento capaz de transformar um lago num mar, também para nós, marinheiros – vimos sobretudo um azul profundo do céu e da água, tão profundo que dói.
Não sei se é da altitude, ou da forma como a altitude nos enlouquece com as histórias de lendas sobre as origens e os povos desta mãe andina, mas as cores são tão profundas quanto duais: azul-escuro da água e branco do céu e dos montes bolivianos da cordilheira oriental, azul claro de céu e cor de terra árida do altiplano.
A manhã dócil e a tarde ventosa e ondulada…
Lenda ou História não escrita – e portanto eventualmente real – estas são as cores do mistério.
Mistério!
Esta é a sensação repetida desde que subimos acima dos três mil metros.
Mistério e civilizações que adoravam a natureza.
Visitada a esta distância, não vejo como eles não poderiam deixar de ter razão!


El Condor passa (por aqui)



O silêncio da madrugada feita manhã no vale do Colca, recorda-nos que acordámos nas entranhas dos Andes, nas entranhas do mundo!
É um vale que se transforma em Canyon à medida que o rio resvala para o Pacífico e que nos conduz dos ondulados e férteis vales para as paredes abruptas de rocha em vinte quilómetros.
1,300 metros debruçados para baixo, numa visão alucinante, à espera que o condor passe.
E o(s) condor(es) passa(m), tarde para a hora marcada, mas plana ao ar sobre as nossas cabeças e eleva-se ao sabor da temperatura que sobe!




Três metros de imponência entre duas asas abertas, revelam-nos o seu estatuto sagrado, entre os deuses da natureza e a religiosa dicotomia do sagrado inca.
É uma singular combinação de elementos: céu, sol, montanha, rio e o condor.
Nas entranhas do mundo, é garantia suficiente de termos conquistado a eternidade, a vida do nível superior nas asas do condor.
Chichinito, tanto quanto é possível entender a camponesa que nos pede boleia, à beira da estrada, de regresso a Maca, uma das dezasseis aldeias do vale, perfiladas a par, frente a frente dos dois lados do rio, em que os espanhóis acantonaram os indígenas do vale, após a conquista, cada uma com a sua muy católica, branca e singela igreja, cujo único inimigo são os terramotos que as abatem como cavalos (apenas um trocadilho básico e rafeiro com os cavalos também se abatem, despropositado porque aqui há poucos cavalos e tanto quanto nos apercebemos, não se abatem).



Mas a camponesa tinha medo do Chichinito, um duende (mau, apressou-se a acrescentar) que por ali vagueava, especialmente dentro daquele túnel, toscamente escavado na rocha, que servia de passagem a todos os veículos (e camponeses), por entre uma nuvem de pó e escuridão (atravessar aquele lugar dantesco a pé, no meio do pó, da escuridão e dos muitos veículos, seria para mim razão mais do que suficiente para acreditar em duendes maus).
Nunca o tinha visto (ela) mas o marido, esse sim senhor já se tinha cruzado com ele, onde, no túnel, claro, pudera, digo eu!
Aborda os aldeões e propõe-lhes trocar o seu corpo por plata.
Muy malo!
E sempre que um turista tomba fulminado pelo mal de altitude, sob a forma de ataque cardíaco, então o povoado sabe que o Chichinito anda por perto e enganou mais uma alma desatenta (ou gananciosa, digo eu)
De regresso a Chivay, percebemos que não é apenas a alpaca que se come, em forma de guisado…
Rebobinámos a altitude, os vulcões, os lamas e os pastos, as zonas húmidas da reserva natural e subimos, subimos até ao altiplano que nos levaria, ao longo de horas sem fio, até ao outro lado da fronteira, por entre lagoas e flamingos, aproveitando a luz amarela do fim do dia, para mentalmente fotografar a paisagem dourada,da cordilheira oriental dos vulcões até ao lago Titicaca, derramado aos pés da cordilheira ocidental deste pedaço impressionante de mundo, chamados Andes.
Absolutamente rebentados pela altitude e pelas milhas voadas hoje, aterrámos, aterrados pela música andina que berrava lá fora, cá dentro, nas margens do lago Titicaca, pés secos e cérebro encharcado de mal de altitude.
Preferimos pensar que eram arrepios de excessivas sensações fortes para um homem só
O meu último suspiro foi para o condor, para os flamingos, para os patos do altiplano e todas as almas voadoras que fustigavam os céus desta terra de fronteira natural: o altiplano ter-me-á respondido com um trovão, que incendiou o lago e me desligou os fusíveis!
Terei sonhado?
A meio da noite, chamada madrugada, dei por mim acordado e combalido a olhar para a janela, e tive a certeza que nada disto era um sonho!

sábado, 27 de outubro de 2012

Altiplano – A natureza em estado sólido



 Entre cordilheiras só sobrevivem a altitude e imensidão dos elementos.
Imagens de um dia bem acima dos 4,000 metros que foi esgotando a nossa energia, quilometro após quilometro (em altura e em distância) em visões que alternavam entre o lunar surreal e os nevados vulcões sagrados das civilizações pré-incas
As imagens confundem-se com os sons andinos que, no silêncio de uma estepe de montanha sagrada, irrompem na nossa memória em flautas e violas, porque o criador deste filme panorâmico imaginou-o com banda sonora
Os picos gelados têm som, cheiro e paladar…
Pura magia dos (todos) sentidos!
A 4,900 metros, atingimos o cume da nossa existência breve, Patapampa reserva-nos esse troféu numa varanda de oxigénio debruçada sobre os vulcões, oito magníficos espécimes que nos rodeiam, a nós e aos milhares de oferendas à deusa da montanha, feitas de pedra
Pedra sobre pedra, perdemos o fôlego, mas preferimos pensar que a magia é mais forte que o mal de altitude…
Hualka Hualka, Ampato, Sabancaya, Chachani, Misti, Picchu Picchu e Mismi
Tudo isso!
Arrepio, mas preferimos pensar que a comoção (comunhão com a natureza e a presença aos pés – melhor, joelhos – da energia sagrada dos montes brancos) é mais forte que o frio andino que nos varre
Visões de uma natureza sagrada.
Aterrámos no fértil vale do colca dos terrenos cultivados em socalcos, varandas de pedra com uma diversidade de culturas, própria de quem aprendeu a sobreviver, muitos anos antes de os espanhóis terem chegado.
O império do milho e do têxtil do seu próprio gado: os lamas as alpacas, as vicunhas e os guanacos e alternado entre os domésticos e os selvagens.
Em Chivay – depois do altiplano, o vale – entendemos que a alpaca também se come, e que o guisado é, afinal de contas, apenas um guisado!
Aconchego carnal de um estômago colado à desoladora beleza do altiplano.
(num lapso de segundo, fiquei com a mesma sensação da criança que se apercebe que o fofinho coelho também se come, apenas um lapso de segundo)
Na capital da província, aterra também o vale, o mercado lembra-nos que para lá do altiplano mora gente, e uma diversidade surpreendente de gente e de agricultura.



E sempre a trilogia Deus (agora o católico plantado na praça de armas – sim, outra vez), natureza (elementos) e sobrevivência (o mercado, a terra e os animais)
O banho de águas quentes e termais, noite dentro e no vale (agora mais) profundo, consagrou a comunhão entre nós, humanos, e os deuses da montanha.
Mas àquela hora não havia virgens para sacrificar, nem sacerdotes que nos encomendassem aos deuses dos cumes gelados
Que os deuses da natureza nos perdoem e não nos lancem a sua ira!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Arequipa – a cidade branca e de todas as cores


Arequipa, cidade branca, altitude que tempera o líbido (dispacio e dormir solo) e desperta a alucinogénia coca que enlouquece o homem branco.
Sim, aterrámos numa réplica e árida Andaluzia, temperada por uma mestiçagem de sabor chilli.
Versão Tex Mex em Sudamérica!
No Monastério de Santa Catalina, mal se sentem os ecos distantes de um retiro de meninas casadoiras e folionas de boas famílias que entravam no convento com as suas criadas, promoviam festas sociais e saiam diretamente do convento para a capela.
Neste paraíso de silêncios, pátios e ruas andaluzes onde o branco da Espanha sulista foi retocado pelas cores quentes e indígenas, azul electro e laranja velho, os vestígios dessa existência mundana confundem-se, misturam-se com uma austeridade latente na atmosfera, renascida nos séculos seguintes, por ordem do vaticano e mão severa da madre superiora.
Apenas as cores ficaram, afirmando a dualidade andina, uma fé que se reconstrói nas cores e nos símbolos próprios da antiguidade local e genuína.
E as sombras, contrastes salientes de um equador próximo, que apenas se deitam ao fim da tarde, cansados da verticalidade diurna que quase fura os chapéus de abas mais distraídos.
Afastamo-nos da guia estridente e ganhamos o privilégio de seguirmos sós (e o nosso silêncio) pelos meus recantos de meditação pagã…
Solidão entre as cores e as sombras

Também Arequipa reflete pois uma dupla personalidade, reflexo de uma fundação a dois tempos: inca e espanhola.
O resultado é absolutamente alucinante: nas fachadas esculpidas da igreja da companhia de jesus, pende o Santiago matador de mouros, sacerdotes incas, macacos, sereias desnudadas com asas de anjos e frutos tropicais em jeito de friso sensorial.
No púlpito da catedral pende um diabo tipo satã, simbolizando as trevas, mas agora sempre presente nas cerimónias, como o único satanás residente num templo católico!
Saindo para a praça de armas, de manhã com o sol refletido nos brancos vulcões do horizonte, ou ao fim da tarde, quando a vida própria andina se apodera das fontes, dos pombos e da vista larga, das arcadas e das janelas, agora ofuscadas pelo sol rasante, apoderamo-nos da vida terrena e chegamos a aceitar que o símbolo do mal pode ser purificado pela fé, tal como jesus e os anjos devem ser cuidadosamente vestidos pelas lãs de alpaca porque a igreja é lugar frio e eles precisam de estar confortáveis.
Vontade do povo!
Vontade inabalável de evangelizar nativos que não conheciam a escrita, ou apenas selvagem criatividade induzida pela folha de coca?

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Pachacamac – Os templos de areia



Na praia emergem os templos, o deserto e o mar, à beira de Lima, dos povoados que a cercam e da pan-americana.
O mais poderoso, influente e temido oráculo dos Andes, capaz de fazer tremer a terra…
Dizem as crónicas dos estudiosos do passado Inca.
Muito antes dos Incas, este é o solo sagrado que trespassou civilizações e as moldou!
Uma rede cerimonial – tudo neste povo evocava redes, comunicações capilares de crenças e deuses com forte representação humana – é preciso corporizar as crenças – redes de estradas que também ligavam importantes centros de peregrinação.
Com os Incas…
Redes de mitos com sentido prático: Pachacamac era também um importante entreposto, porque era preciso armazenar e distribuir os donativos que chegavam de zonas tão distantes, organização económica com senso mítico.
Um dos mais importantes centros de peregrinação do seu tempo e que reflete o modo especial como os Incas se flexibilizavam na forma de incorporar os povos conquistados
O Templo do Sol, erigido ao lado do Oráculo de Pachacamac, pré Inca, tão poderoso segundo crença Inca que o Imperador permitiu que, a par do templo de adoração ao Sol, continuasse este altar a exercer as suas funções…
Era também uma forma engenhosa de, através de uma corporação de deuses /de um pacto espiritual se promovesse a união dos povos
Flexibilidade na forma de governar os povos conquistados e os seus deuses
Uma lição de História…
As crenças religiosas dos Incas, baseiam-se na adoração do Sol Inti, e da sua irmã Lua Quila, num sentido tão literal do termo e do senso que tinham, como representação terrena, o Imperador e a sua incestuosa rainha Qoya
Bem, uma interpretação contemporânea!
Ouvida em excertos entrecortados pelo vento e pela tempestade de areia…
A mulher principal do Imperador servia de manifestação humana da Lua, irmã e mulher do Sol, mestre sobre o mar e os ventos, rainhas e princesas e é a raínha do céu.
Como um Deus tutelar (de outras crenças, de outros Deuses) Indi servia como os antepassados do Imperador atual e como símbolo para o Estado Inca em expansão
Eram os rituais que dominavam os grandes destinos- imperadores, exércitos e batalhas – e as alianças entre líderes Incas e locais cimentavam-se na consulta aos oráculos e – na esperança – na comunhão de profecias… que não tinham margem para o erro – sendo erro uma qualquer premonição de desgraça do imperador vigente
Os Incas veneravam paqarinas, elementos da natureza nos quais acreditavam que os seus antepassados tinham emergido (pedras, rios, grutas) … e foi desta forma que criaram a lenda da mítica origem do primeiro imperador
Aqqlawasi, as mulheres escolhidas, que desempenhavam um papel crucial nas alianças entre os líderes incas e os locais.
Para o bárbaro e sanguinário Hernando Pizarro tratavam-se das mulheres do Diabo.
Sem o esforço da Sandra, que se preocupava com a nossa capacidade de assimilar, numa concentrada aula teórica com reduzido material de demonstração, o essencial da cultura das civilizações pré hispânicas, teria sido difícil imaginar que, por debaixo de tanto pó e areia, se escondia tanta História dos povos indígenas.
Erosão dos invasores e do tempo, num manto de areia branca à beira do mar!



terça-feira, 23 de outubro de 2012

Lima - A cidade das brumas



Lima é a cidade dos Viracochas e, quem sabe, uma afirmação de modernidade de um país. Deuses que viriam do mar…e vieram
Lima é a cidade dos reis brancos, barbudos e malcheirosos que desconfiavam da mística Cuzco, demasiado grandiosa e sobrenatural
Portanto, incontrolável
No credo en brujas, pero que los hay, los hay
Nove milhões de almas que se acotovelam nos bairros populares em gigantescos mercados grossistas
Cidade das brumas, fenómenos meteorológicos que lançam capacete sobre a cidade, que devia ser tropical, mas não é, pelo menos mais de seis meses por ano!
É bizarro, o equador tão perto e os caprichos das correntes marítimas, e o pacífico oceano que se empurra de encontro aos Andes transformam, esta amálgama de metrópoles tão latinas e tão sul americanas numa distinta urbe, tão britânica quanto a neblina permite, qual chapéus de coco que estranhamente povoam as ruas poeirentas dos mercados de rua e que se equilibram, quais trapezistas entre o infernal burburinho desta cidade, sem caírem sequer!
A vingança nativa (incas e os seus incógnitos ascendentes) serviu-se retardada e definitiva.
Oitenta por cento do povo é mestiço!
Sol e Lua, oposto e complemento em três estágios de vida: ave, puma e serpente
Cidade das crenças que, em dia de procissão da Nossa Senhora das Dores, se revela de uma profunda religiosidade que leva multidões às ruas, magotes que se deslocam a pé dos bairros pobres, distantes e inacabados para um centro que, se encolhe porque estranha, no seu abandono e despovoamento crescentes, o movimento e a alegria dos crentes, pobres mas crentes!
Não estamos habituados a ver tanta fé em povos que (foram, de forma musculada convencidos a mudar de..)mudaram de Deuses há menos de quinhentos anos, de tez inca, mestiça ou índia.
É uma nota disfuncional na paisagem, mas que é perfeitamente coerente com todas as notas invulgares que povoam a cidade.
Nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma!
Símbolos religiosos, impregnados nos mantos cristãos, através da mãe natureza
Não há barbudos e malcheirosos espanhóis a atravessar as húmidas brumas de uma manhã tão cinzenta, mas tão colorida porque a cor é aqui, e em todo o país, o Perú intenso!
Mas a Praça de Armas é uma afirmação do poder espanhol que resiste teimosamente à desertificação do centro da cidade, uma auréola de edifícios coloniais gastos pelo tempo, pelas revoluções e pela ascensão do poder revolucionário subversivo e clandestino
Em seu redor, expande-se uma cidade caótica, cuja inexistência de infraestruturas empurra milhares de carros, motos e combies (pequenos autocarros independentes) para uma dança de desfecho sempre incerto, em que a prioridade é concedida a quem for o último a parar. Sem ofensas, como se as buzinas apenas prestassem honras ao mais destemido dos guerreiros do trânsito.

Saindo da Praça de Armas em direção ao mar e a sul, percebe-se que coexistem nesta larga extensão de casas quase térreas, vários destinos de um mesmo povo.
As grandes migrações dos anos noventa, a pobreza extrema dos sem raízes, aqueles que já foram integrados dentro dos limites da cidade e os que se espraiam pela pan-americana à espera de entrar;
Os bairros de classe média, com quintais vedados, e um espaço de garagem ao ar livre onde param os automóveis de família, gastos mas dignos;
A frente Pacífico com bairros a tocar o glamour e com uma gastronomia de fama e eleição, espraiam-se os soprados pela riqueza e pelo crescimento económico de seis por cento ao ano, abençoados pelo poder e pela pátria
Mas não se chegam ao mar: as arribas de Miraflores espreitam o mar mas deixam a marginal, lá em baixo, para os surfistas e para quem quiser, numa espécie de zona livre porque afinal o mar (porque não há sol) quando nasce é para todos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

As luzes de Lima


Chegar a Lima vindo de Norte é procurar entender os percursos do Conquistador
Nove milhões de habitantes depois, respiramos uma cidade ao pôr-do-Sol, Lima de nome próprio e Cidade dos Reis como apelido
Sem memórias próprias, refugiei-me na romanesca história de Isabel Allende, história passada escrita em nome próprio, como se Inês fosse uma reencarnação da História
Não posso deixar de me imaginar sósia espiritual de Inês, meu amor a desembarcar no porto de Callao em busca do marido emigrado, com um fardo incomensurável da travessia do Atlântico, das selvas pejadas de índios selvagens e hostis (canibais é a lenda!) em plena década do primeiro farwest da história, quer no sentido efetivo do termo – o mais longe oeste possível – quer no sentido mais lato de terra sem lei nem ética precisas.
O mais Oeste possível, entenda-se dada a época em causa, com terra firme e riquezas palpáveis,
Por vezes, o destino e o temperamento de um povo fica completamente definido à nascença e a sobreposição maciça e intrusiva de povos durante a colonização ocidental só pode ter criado uma falha tectónica permanente. Se a ira dos Deuses de Pachacamac pode fazer tremer a Terra…
Hoje, quem por aqui circula não entende, sem equívocos, quem venceu o duelo!
Em 1533, ainda longe da mestiçagem do país, não se entendia ainda que povo iria resultar
Palavras de Inês.
No universo quase contemporâneo de Vargas Llosa, o autor reconhece nas tribos índias da Amazónia os limites humanos para a mestiçagem, um fim do mundo próximo que nenhuma potência dominante quis (ou pode) aculturar.
Na Lima dos anos cinquenta, a mascarilha de “o falador” interrogava-se perante o autor implícito sobre o futuro destas criaturas, “as caricaturas de homens que são os indígenas semi aculturados das ruas de Lima”.
Sobrevoámos a uma altitude branca, a grande selva amazónica, da costa ocidental do Atlântico para a costa ocidental do Pacífico, sem escalas nem referências aéreas vincadas, e não sentimos as duas faces do mesmo oceano, com os seus ventos e correntes, apenas uma perspetiva oriental do novo mundo.
A aterragem em Lima foi o suficiente para entender que o Perú é um país de mestiçagem de culturas e que os invasores também foram aculturados.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Luz imensa no chão do céu!



Espero que a semana se esvaia, agora que a latitude passou a 49 e que os meus sonhos já estão nos píncaros dos Andes
Espero que o país não se esvaia na incontinência verbal  e que aprendamos com a lei natural da sobrevivência dos índios da amazónia submersa; para eles, há uma correspondência fatídica entre o espírito do Homem e da Natureza e qualquer transtorno nesse pode provocar uma catástrofe naquela.
Por isso, a serenidade da tribo é a garantia da sua própria sobrevivência, face aos elementos hostis!

Há monges budistas na A8


 
Não é miragem nem um instantâneo estado de adormecimento mental 
Saídos de uma Ford Transit de túnicas laranjas e cabeças rapadas eles e ela remetem se a um silencio de meditação no interior da área de serviço um templo improvisado mas absolutamente previsível
A uma quarta-feira de uma vulgar semana de um tardio Verão, não podia existir mais paz interior que numa autoestrada do novo regime, construída com o suor da divida publica, sem estudos de viabilidade que chumbariam sem do nem pena tamanha periferia.
Não há cumes nevados como no Butão mas respira se o verde do campo e dos vales ondulados da paisagem do oeste saloio.